Veja uma figura da atualidade:
Crescimento da “lipo lad”, uma cirurgia que “seca” a barriga e tem sido febre dentre blogueiras, que realizam as cirurgias gratuitamente como forma de promover os cirurgiões.
Crescimento da venda daquele medicamento injetável, que foi projetado para o tratamento da diabetes mellito, mas que tem sido usado (e muitíssimas vezes prescrito por médicos) de maneira exagerada para emagrecer muito.
Crescimento de programas de emagrecimento baseados em jejuns e restrição severa alimentar.
Incentivo ao uso exagerado de suplementos protéicos, como wheys e creatina. Todo mundo consumindo como se fosse água.
O que temos também:
Volta da moda 2kY (anos 2000), da cintura baixa, mostrando a barriga.
Valorização do corpo super malhado, trincado.
Disseminação cada vez mais forte da ideia de que pessoas muito magras, malhadas e “fitness”, são superiores às não magras e malhadas porque têm mais disciplina, são controladas, mais capazes.
No outro sentido, segue cada vez mais forte a ideia que pessoas gordas são preguiçosas e sem disciplina.
Nessa figura que eu descrevi, o que alimenta o quê?
É a valorização social do corpo magro e malhado e o estigma ao corpo gordo que nos fazem buscar as cirurgias estéticas, os medicamentos, os programas de emagrecimento e o abuso de suplementos?
Ou será que é o marketing das cirurgias estéticas, daquele medicamento injetável, dos programas de emagrecimento e dos suplementos protéicos que leva à valorização social do corpo magro e malhado e o estigma ao corpo gordo?
Fiquei refletindo sobre isso quando aa jornalista Naomi Wolf, em seu livro O Mito da Beleza, fala:
“Um comportamento que seja essencial por motivos econômicos é transformado em virtude social”.
A autora ainda complementa:
“As qualidades que um determinado período considera belas nas mulheres são apenas símbolos do comportamento feminino que aquele período julga ser desejável. O mito da beleza de fato sempre determina o comportamento, e não a aparência.”
Isto é... Autocontrole, disciplina e força de vontade são comportamentos desejados, e estes podem ser demonstrados através do corpo perfeito. E como conseguir um corpo perfeito? Bem, vamos dizer que bastante $ e energia física e mental são envolvidos..
Quem ganha com isso? Segundo Naomi Wolf, “indústrias poderosas — a das dietas, que gera US$ 33 bilhões por ano; a dos cosméticos, US$ 20 bilhões; a da cirurgia plástica estética, US$ 300 milhões; e a da pornografia, com seus US$ 7 bilhões” (dados de 2002! Então imagina como está isso hoje!).
Além disso, politicamente pode ser interessante uma população alienada por meio da fome das dietas restritivas e obcecada com a forma corporal. Quanto da nossa energia física e mental gastamos nessa jornada? Como Wolf ainda coloca: “As dietas são o maior sedativo político das mulheres”.
Deixo assim uma reflexão: De onde vem a sua definição do que é belo? Por que você acredita que um corpo magro é mais bonito, ou mesmo superior? Quem nos ensinou que um corpo magro é sinônimo de disciplina, e um corpo gordo sinônimo de gordura?
Naomi Wolf ainda escreve:
“A “beleza” não é universal, nem imutável, embora o mundo ocidental finja que todos os ideais de beleza feminina se originam de uma Mulher Ideal Platônica. O povo maori admira uma vulva gorda, e o povo padung, seios caídos.”
Precisamos entender que a nossa definição de beleza não é puramente uma opinião pessoal. Na verdade, ela é extremamente impactada por fatores culturais, sociais, políticos e econômicos. Ela é um conceito sóciocultural, mutável conforme a época e suas demandas sóciopolíticas, e que sempre representa uma minoria privilegiada de pessoas. Por exemplo, em épocas de fome, os padrões de beleza giravam em torno de mulheres gordas ou curvilíneas, que representavam fartura e poder aquisitivo.
E na nossa época atual de abundância de comida, de escassez de tempo, de estresse e sedentarismo, e do advento da obesidade e das doenças crônicas, o belo passou a ser o corpo extremamente magro e malhado, muitas vezes só adquirido por meio de cirurgias e uso de medicamentos caros (como aquele injetável…).
Por fim, quero deixar claro que este texto não é um julgamento dos seus desejos. Não se sinta culpada por desejar ter um corpo mais magro. O meu convite aqui é puramente a uma reflexão, que é a que eu sempre busco conduzir na minha vida e no meu consultório: por que eu quero isto? É um desejo puramente meu ou é por outros? O que vai mudar na minha vida quando eu alcançar isto? Para quê eu quero isto? E eu preciso realmente disto?
Refletir sobre os porquês dos nossos desejos é importante no processo de, de fato, perseguí-los.
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