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Nathália Petry

Em 10 anos, ninguém mais vai cozinhar?

“Em 10 anos, ninguém mais vai cozinhar”. Esta foi a polêmica desta semana no instagram, a respeito de uma frase dita pelo presidente do iFood, o aplicativo de entrega de comida. Segundo ele, entre 5 e 10 anos preferiremos não mais cozinhar em casa, pois vai ficar mais barato e acessível pedir comida pelo aplicativo do que cozinhar em casa.




Isto virou polêmica no instagram. Diversas pessoas e profissionais de saúde se manifestaram, relatando como isto é um absurdo. Afinal, cozinhar é algo que deve ser incentivado, que faz parte da identidade do povo brasileiro e é um componente importante para a autonomia alimentar do indivíduo. E eu concordo, isto tudo é verdade. Mas calma, o buraco é tão mais embaixo.


Precisamos falar dos porquês da busca por delivery ter aumentado tanto. Enquanto assumirmos que as pessoas simplesmente buscam o delivery porque são comidas gostosas, ou simplesmente porque as pessoas têm preguiça de cozinhar, estaremos nadando apenas na superfície. Existem diversas razões mais profundas para o aumento da busca por comidas por delivery.


Imagine o cenário (ou talvez você nem precise imaginar, pois vive essa realidade tão comum ao povo brasileiro): você é mãe, acorda cedo, deixa os filhos na escola, trabalha o dia inteiro (talvez porque é impossível que um só familiar trabalhe para sustentar a casa, ou talvez você seja mãe solo, ou talvez você trabalhe porque você quer ter sua vivência profissional). Todas as refeições dos familiares já foram feitas fora de casa durante o dia. Ao final do dia, você chega em casa cansadíssima, e ainda precisa coordenar a rotina das crianças, ver tarefa, banho, cuidado, lavar a roupa, limpar a casa, sono das crianças. Possivelmente essa carga cai toda sobre você, porque a sobrecarga feminina e materna é um problema real, enquanto seu marido vai descansar. Você não tem um pingo de energia para cozinhar, nem mesmo teve tempo ou espaço mental para ir ao mercado e planejar refeições. Qual a solução para matar a sua fome? E nesse processo, ainda receber um prazer, um conforto? Cozinhar uma refeição, que inclui comprar os ingredientes, pré preparar, cozinhar? Ou pedir um hamburguer, ou um alimento conforto, no delivery, em que você pode simplesmente esperar deitada? E aí você acaba vivendo um episódio ali de comer não só para matar a fome, mas é um comer emocional, que preenche o cansaço, a sobrecarga, o estresse.


Vi alguns comentários de pessoas falando sobre aumentar o preço dos deliveries ou mesmo aumentar os preços dos alimentos ultraprocessados. Sim, eu sei que faz sentido como forma de impulsionar o consumo de alimentos in natura e o cozinhar. Mas sobre quem vai cair essa carga? As mulheres, já sobrecarregas, que precisarão assumir mais um papel?


A bandeira do “descascar mais e embalar menos” é importantíssima. Mas enquanto batermos somente nisso, estamos deixando a responsabilidade apenas sobre o indivíduo sem realmente falarmos dos problemas coletivos que a população brasileira enfrenta: carga de trabalho muito extensa, abandono parental, sobrecarga feminina/materna…

Mas, Nathália, qual é a solução? Honestamente, não sei. A nível coletivo, um caminho é discutir sobre isso. Falar sobre alimentação, é falar sobre o papel das mulheres, é falar sobre sobrecarga, é falar sobre a divisão de papeis, sobre as extensas cargas de trabalho. Diminuir o preço de alimentos in natura pode ser um caminho, mas é preciso alinhar com a discussão sobre: quem é que vai preparar esses alimentos in natura?


E a nível individual, como tantas vezes já discuti em consultório, o caminho foi justamente encontrar opções terceirizadas. Marmitas, restaurantes e até mesmo diversificar as opções de pedidos no próprio ifood (não precisava ser só o hambúrguer, embora também pudesse ser algumas vezes!), porque justamente aquela mulher, aquela minha paciente, já estava totalmente sobrecarregada. O ifood vinha como um respiro, uma ajuda. E o caminho que encontramos foi diversificar estas ajudas. Não tinha como incluir o cozinhar no seu dia a dia, pelo menos não naquela conjuntura que ela vivia.


Por fim, o buraco é bem mais embaixo.



 

Por Nathália Petry, nutri escritora e professora



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