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Nathália Petry

Refém da comida.

Você já percebeu que quando pensamos em nosso corpo, acabamos inserindo a alimentação e a saúde mental em compartimentos diferentes? Afinal, saúde mental está "dentro da minha cabeça", meus sentimentos, minhas emoções, meus pensamentos... e comer é algo matemático, é o seguir um cardápio certinho, é o você comer dar ao seu organismo calorias e nutrientes necessários para você, certo?

Não. Se engana muito quem pensa sim, pois ignora que, para o ser humano, a alimentação não só traz uma carga de significados gigante, influenciando em nossas memórias, relacionamentos e em nossa vida, como pode, inclusive, ser fonte de um grande sofrimento mental.

Não me refiro aqui ao fato de que uma alimentação nutritiva é necessária para manter os níveis de neurotransmissores adequados e permitir nossa saúde mental e emocional. Eu me refiro ao fato de que, hoje principalmente, a alimentação tem tomado um espaço tão grande na vida de muita gente, que tem as adoecido mentalmente, e até mesmo fisicamente.

Culpa, vergonha, ansiedade são componentes que acompanham nosso cardápio. Culpa por comer um alimento "engordativo", vergonha por não conseguir "resistir às tentações", ansiedade por estar perto da comida... hoje é raro quem não compartilha a mesa com essas sensações.

Assim, travamos uma batalha tão grande com os alimentos que eles chegam a ser intitulados de vilões e mocinhos. Quem nunca leu uma matéria sobre "super alimentos", os heróis que vão transformar sua saúde? Ou alguma notícia sobre como tal alimento foi visto como o novo mal do século, e precisamos parar de ingerí-lo neste segundo?

Somos frequentemente jogados dentro de um ringue, em uma batalha entre comer e não comer, entre resistir ou "meter o pé na jaca". Estamos continuamente lutando para decidir se como aquele chocolate tão delicioso, e fico me sentindo uma bandida, culpada, devendo "pagar" o que eu comi; ou se "me controlo" e como uma fruta seca, que dizem que mata a vontade de doce, e posso então me sentir uma pessoa superior, controlada, disciplinada. Uau, que cansaço.

E imaginando que comemos três, quatro, cinco, seis vezes por dia, e que cada momento desses é uma pequena batalha entre resistir ou ceder, não é difícil perceber porque isso tem nos adoecido mentalmente. Considerando ainda que após cada refeição já estamos pensando no que podemos comer no próximo lanche, ou estamos nos culpando por já ter feito algo "errado" e decidindo como iremos compensar, percebemos que estamos pensando em comida o dia inteirinho! Seria isso saudável mentalmente?

Uma frase que me chamou muita atenção no consultório no ano passado, e que hoje 100% das pessoas que chegam em meu consultório dizem concordar, é: "Eu me sinto refém da comida". A pessoa sente que a comida tem poder sobre a vida dela, que não consegue se controlar perto de alimentos, que não pode ter uma bombonierre em casa pois comerá tudo.

Dessa forma, a comida se torna a nossa carcereira, devido ao suposto poder que a sociedade e nós mesmos demos pra ela. Pois é, a comida tem recebido tanto poder por ser a "responsável" pelo nosso emagrecimento que não é a toa que ela tem sido o novo "líder" de nossas vidas. Ah, um carcereiro amado e tão odiado..

O resultado disso? Uma população que sabe cada vez mais sobre informações nutricionais sobre os alimentos e que é cada vez mais preocupada com corpo e saúde, mas uma população cada vez mais obcecada com comida, cada vez mais com problemas de peso, cada vez mais sofrendo com algo que deveria ser puramente positivo e natural em nossas vidas: a comida.

Culpa ao comer, medo de comer certos alimentos, insatisfação com o peso, raiva de si mesmo por não conseguir "controlar a alimentação", sensação de indisciplina, alimentação transtornada, compulsão alimentar, obsessão por certos alimentos, e transtornos alimentares, são só alguns exemplos como saúde mental e alimentação podem ter muito a ver.

Restabelecer uma boa relação com a comida é um ato de libertação. É fazer as pazes com os alimentos e deixar de ser refém deles, é jogar a culpa ao comer para fora do cardápio, é recuperar sua própria autonomia alimentar e alimentar seu corpo com respeito. É ser livre. <3

PS.: Essa é uma postagem especial para o #projetose_mentes, pelo #janeirobranco, que traz a conscientização da importância da saúde mental. Nossa relação com a comida tem tudo a ver com isso. Procure ajuda de um profissional especializado em comportamento alimentar.

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